sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Conclusão do meu TCC: A CRIAÇÃO DA CSN E VOLTA REDONDA (UMA CIDADE-EMPRESA) NO CONTEXTO ESTADONOVISTA.

O Estado Novo, regime autoritário presidido por Getúlio Vargas a partir de 1937, é um momento histórico brasileiro no qual o governante entra em novas relações com o operariado nacional, regulamentando leis trabalhistas e garantindo direitos anteriormente reivindicados. A nova regulamentação redefine as relações entre trabalho, capital e Estado, ao liberar o capital de alguma responsabilidade em relação ao trabalhador. É o caso do salário mínimo, por exemplo, que viabilizaria independência e provisão garantida. Entretanto, o Estado, concernentemente ao custo de reprodução da força de trabalho, assume certos itens como assistência médica e aposentadoria. Tais transformações vêm ocorrendo desde a “Revolução” de 1930, bem como a substituição das formas particulares das condições gerais da produção para formas coletivas via intervenção direta ou indireta do Estado.

O ingresso do Brasil nos rumos da industrialização, através da produção de insumos básicos nas décadas de 40 e 50, representou um salto significativo para o país, ampliando o papel da siderurgia e promovendo-a da condição de solucionadora do problema de transporte interno (ferrovias), na qual antes estava inserida.

É tempo de mutação e tais instâncias, no que tange a economia brasileira, originará uma cidade-empresa dissociada da pessoa física (empresário) em prol de uma conexão nova consolidada no papel institucional da empresa. É característica o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, cuja construção simultânea da usina e da cidade em áreas de três fazendas em Volta Redonda, está em consonância com a nova fase do país sob a égide do progresso. O então megaprojeto vai cumprir o papel símbolo da compatibilidade entre as necessidades da acumulação capitalista, bem como a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.

A CSN, que entre os anos de 1941 e 1945 constrói simultaneamente a usina e a cidade, cujo plano urbanístico, de alto padrão, reproduz na estruturação urbana a hierarquia funcional da usina, cria espaços estratificados por categoria funcional e faixa salarial. A expansão, planejada ad continuum, possibilita desenfreada captação de mão-de-obra, causa donde promana o fator de crescimento populacional: de 1940 o cômputo era de 3.000 pessoas, em 1950 haverá um recrudescimento para 36.000 habitantes. Como conseqüência, uma outra “cidade” pobre e não planejada (fora da área de controle da CSN) cresce concomitantemente. Este último dado e o fato de Volta Redonda em 1980 passar à categoria de município, bem como seu crescimento populacional, no entanto não fazem parte do foco desse trabalho.

Elucubrar Volta Redonda – um exemplo clássico de cidade-empresa, segundo Rosélia Piquet – nascida e unicamente possibilitada em função do megaprojeto que a gerou, como outra coisa qualquer diferente disso é laborar no erro e forcejar pela irrealidade. Ao fazer o mapeamento das relações entre as irmãs siamesas desde os primórdios de sua gestação, nada nos permite desvinculá-las uma da outra. A CSN, dado sua magnitude desde a planta só será possível, concluímos, com o suporte vetorial analisado no parágrafo anterior.

Simultaneamente, Volta Redonda tem sua relevância graças ao aparato da usina, cujo controle, imaginário, influência, regras, etc. vão permear a cidade a partir de ditames via fábrica. Para ambos impera uma recíproca que é verdadeira.

Tal concentração espacial foi um laboratório por excelência para Vargas e seus ideólogos, e mesmo durante a ditadura militar, quando, guardadas as diferenças que lhes são próprias, é possível a identificação do autoritarismo mascarado pelo discurso do progresso e da prosperidade nacional.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEDÊ, Waldyr. Volta Redonda na Era Vargas (1941 – 1964). Volta Redonda: SMC/PMVR, 2004.

CARVALHO, José Murilo de. Pequena história da siderurgia no Brasil. In: MONTEIRO, Geraldo Tadeu Moreira. Sindicato dos metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos brasileiros. Rio de Janeiro: FSB Comunicações, 1995.

LOPES, Alberto Costa. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. (Dissertação de Mestrado)

PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

PIQUET, Rosélia. Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.

SAES, Décio. A República do Capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001.

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castelo Branco, 1930 – 1964. 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

JORNAL O GLOBO (Agosto de 2004).



Escrito sabe lá Deus sob que condições mentais, no ano de 2010, depois da recusa da coordenação em aceitar meu pedido para que fosse trancada a matrícula do Curso de Graduação em História. Foi um dos mais importantes e positivos "nãos" que recebi na vida. As possíveis falhas encontradas no trabalho, se explicam em razão do esgotamento físico e mental, que comprometia o lado psíquico, por que passava à época. Se há um triunfo nisso, precisa ser tributado à Razão, a qual, bombardeada pelo menos desde Nietzsche, ainda impera como o que norteia a compreensão dos assuntos desta Terra, os visíveis e os invisíveis, sendo ela quem traz a palavra final.

Eleandro Madureira  
Volta Redonda
04 X 2013 





terça-feira, 17 de setembro de 2013

Revisitando o populismo e o maquiavelismo varguista.


A doutrina do corporativismo não nasceu com o século XX. No Brasil da chamada "Era Vargas (1930 e 1945), respondeu aos anseios de um governo que pudesse garantir direitos aos trabalhadores mas de tal forma que a ele ficassem adstritos, em que o Estado pudesse ser visto como benfeitor, objetivando  privar os assalariados de armas revolucionárias, e contê-los dentro de uma política trabalhista que mascarava a força, a manipulação e a coerção.

Com o discurso de que o trabalhador era parceiro do Estado, e tendo os sindicatos como força de contenção e pacificação, Vargas lançou mão de um estratagema que não visava a construção da plena cidadania e dos direitos do operariado. Não se pensou em uma ideia mais ou menos límpida de Estado de Bem-Estar Social (havia seleção programada, as garantias não seguiram como um todo o corpo da nação); o caminho para a "paz social" trilhou pela adoção do engodo: o trabalhador recebeu o status  de filho  capaz de reconhecer sua paternidade sacra. Não esqueçamos aqui de duas importantes constatações: (1) Getúlio Vargas acabou ficando conhecido como "pai dos pobres" e; (2) a comoção que tomou conta do país por acasião de sua morte, comprova em parte a eficácia da paternidade construída. Podemos negar o conceito de populismo, em tudo que tem de exagero, mas teremos de enfrentar  um certo desconforto quando estivermos diante de documentos imagéticos...
     
Tal articulação, que Thomas Skidmore chama de maquiavelismo - doutrina do filósofo  italiano Nicolau Maquiavel, segundo a qual "os fins justificam os meios" -, serviu aos fins de comando. Vargas cooptou os sindicatos, uma de suas peças-chave, onde havia a figura do "pelego", uma espécie de agente duplo, liderando os trabalhadores nos trâmites que possibilitava a obtenção de direitos, em verdade uma forma de sedá-los. O pelego tinha como função intermediária evitar maiores atritos entre os patrões e os trabalhadores; o governo regulamentava de cima para baixo, ditando as regras do jogo, desde o peleguismo – o termo  foi depois ressignificado, "pelego" hoje refere-se a qualquer um que não adere  a uma greve ou a ela não se submete inteiramente, ou são atores que visivelmente compõem  a  camarilha dos opressores -, passando pela  outorga de benesses – em verdade reivindicações que nesse momento varrem o mundo do trabalho -, até apontando quais profissões são pertinentes à sindicalização. Nesse contexto, a Carteira de Trabalho, criada por Vargas, constitui outro trunfo; embora associada à consolidação das leis trabalhistas, por outro lado funcionava como mecanismo de controle, espécie de agenda do trabalhador, por ela se ia até seu portador e a fim de auscultar-lhe as andanças...
     
Essa forma de governar acabou por projetar Vargas na História, e seu nome ficou vinculado à consolidação dos direitos trabalhistas. Do trabalho braçal foi retirado a vergonha que herdava da escravidão, cujo espectro ainda vigorava embora sutilmente. Era preciso ressignificar o trabalho, pois se era verdade que os escravizados construíram a riqueza do Brasil, desde o escravismo colonial, necessário se fazia expurgar a vergonha do imaginário nacional, o que o caudilho fez ao inventar o trabalhismo; as argumentações de Marcondes Filho, então ministro do Trabalho, em um programa semanal de rádio, que giravam em torno do valor do trabalho, da conquista de leis trabalhistas e sociais como sendo um "presente" do presidente da República, além do reconhecimento da cultura nacional e desenvolvimento econômico, sedimentou o prestígio de Vargas junto aos trabalhadores.   
    
Ampliando um pouco a questão, nenhuma peça pode sair da engrenagem que faz o homem capitão de sua alma, o construtor de sua própria história. Vargas foi uma importante peça em meio à engrenagem que fazia mover as ações próprias do universo trabalhista brasileiro, que tento aqui grafar como uma nota. O seu maquiavelismo, é fato, existiu, porém não podemos cair naquilo que os conceitos às vezes têm de escorregadio. Alguns só fazem sentido para uma época, como o populismo, trazido a lume nos anos 1960 por analistas que anelavam explicar o sucesso de Vargas junto  aos trabalhadores, cujo ponto principal, em meio aos seus pressupostos, é o tema  do poder quase onipotente de manipulação, capaz de embromar toda a liderança sindical do período, bem como, recorrendo ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), com a mesma maestria, mesmerizar o operariado e todo o senso comum, tornando-os a si adstritos.
     
O que quero, para finalizar, é ressaltar que tanto a História do Brasil, linkada às ocorrências de outras partes do globo, quanto o caminho individual dos atores aí envolvidos, se encontram de uma vez para sempre dentro de uma interpretação que não pode ser construída de  forma estanque, forjando conceitos no caminho do sentido. A historiografia tem procurado reavaliar o que foi dito antes sobre o assunto - as conceitualizações isoladas, e peremptórias - , procurando questionar que a suposta subordinação mecânica preconizada realmente não existiu, pelo menos não de uma forma que apenas  do  lado governamental houvesse ganho efetivo de interesses, porém existiu como  uma troca - como afirma Lincoln de Abreu Penna, em seu livro “República Brasileira”, ao abordar o revisionismo historiográfico sobre o conceito de populismo - que, embora tardiamente, favoreceu também as conquistas  dos trabalhadores, eliminando assim uma via de mão única – interpretação, aliás, como a caiopradista  ao abordar a corrida abolicionista.
     
Seja como for, Vargas ficou nos braços do povo, como se convencionou dizer, mas sua estratégia de governar, jogando com os trabalhadores e com seus representantes, além de cuidar da oposição dos setores partidários, não arrefeceu a luta do operariado, nem apagou um certo pensar revolucionário de boa parcela do povo brasileiro, que a meu ver persiste ainda hoje embora meio informe e/ou ressignificado. Um amigo historiador, marxista ortodoxo, vaticinou há uns três anos atrás, que o mundo estava em estado de espera revolucionária, como o ar contido em uma garrafa que estava já sendo agitada... Longe de pensar apressadamente sobre o fenômeno que ora toma conta das manchetes - protestos populares, caça aos ditadores, instabilidade econômica - , dizendo que é isso ou aquilo, algo já se pode reafirmar sobre o homem, de uma maneira geral - é ele o que faz a História, não é a superestrutura  que o define e plasma, apesar de governado pelas circunstâncias - como asseverou  Heródoto, o "Pai da Historia" -, o homem é por excelência livre, não podendo contê-lo por muito tempo nenhuma situação adversa...
     
Como perceberam os historiadores que revisaram o populismo  e o maquiavelismo varguistas, nada pode ser mais contrário à lógica em História do que pensar que as pessoas são páginas em branco, onde os canais do poder instituído podem escrever ali o que quiserem, fazerem eles a história como heróis, e sem reações contrárias. 

Eleandro Madureira

Volta Redonda
 06 X 2011